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Final Fantasy VII Remake é o jogo que os fãs sonharam

FFVII Remake é o jogo que os fãs sonharam / Reprodução

Do sonho à realidade

Às vezes, gostamos tanto de alguma coisa - um jogo, um filme, uma música - a ponto de desejar que aquilo seja apagado da nossa memória, só para termos a possibilidade de reviver as sensações da primeira experiência. Mas e se tivéssemos de fato essa chance? Como seria? Teríamos, de fato, a mesma reação? Ou receberíamos aquela obra de maneira diferente?

Jogar Final Fantasy VII Remake é contemplar o tempo todo essa ideia de reviver a “primeira vez”, ainda que isso seja impossível. Afinal, como o próprio título deixa bem claro, é uma releitura. E não é uma releitura qualquer: ao encarar o desafio de refazer o clássico de 1997 que definiu toda uma geração de videogames, catapultando o gênero de RPG para o centro da indústria, a Square Enix se arriscou a abrir uma caixa de Pandora que envolve milhões de desejos e expectativas.

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Isso porque, muito antes de Final Fantasy VII Remake se tornar realidade, o jogo já era uma ideia recorrente nas mentes dos jogadores. É uma ideia que foi ganhando forma com expansões do jogo original, como o longa metragem Advent Children, até ser fincada no inconsciente coletivo gamer com uma demonstração técnica criada em 2006, a pedido da Sony, para demonstrar a capacidade do PlayStation 3.

Para complicar ainda mais a tarefa, a mesma empresa decidiu recontar esta história por meio de vários jogos. O primeiro, que chega ao PlayStation 4 em 2020, se propõe a recriar, em um jogo de 30 a 40 horas de duração, os eventos que, no Final Fantasy VII original, devem corresponder a menos de 10% do total do jogo.

Recriar uma obra, ainda mais depois de tanto tempo e com saltos tecnológicos tão gigantescos, implica em mudanças inevitáveis, mas só essa delimitação criativa auto-imposta pelos desenvolvedores de se restringir à gigantesca metrópole de Midgar faz, logo de cara, o projeto surgir repleto de dúvidas sobre como será refeita a experiência em relação ao original, nessa inevitável comparação entre passado e presente.

Como você já deve ter percebido, lidar com tamanha expectativa não é tarefa fácil.

Reunião

Sendo assim, a melhor maneira de começar a falar de Final Fantasy VII Remake é responder a uma pergunta fundamental: o jogo atende às expectativas de quem ama o original? Como alguém que já perdeu a conta de quantas horas passou com o clássico do primeiro PlayStation, te garanto, com tranquilidade, que a resposta é sim.

Existe uma sensação de deslumbramento que circunda cada aspecto de gameplay de FFVII Remake. Pode acontecer quando se observa a imensidão das favelas da cidade baixa de Midgar, do meio de uma pilha de destroços, ou ao contemplar os detalhes do vibrante (e por vezes duvidoso) comércio no Wall Market. Pode ser um deslumbramento que se traduz até em coisas mais sutis, como a música de prelúdio da franquia que, assim como no game de 1997, dá pano de fundo ao menu inicial, com a clássica Buster Sword do protagonista Cloud Strife.

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A equipe de desenvolvimento parece ter levado em conta esse olhar obsessivo do fã ao construir cada detalhe da nova versão. Não apenas pela vontade de agradar, mas também como uma maneira de se manter fiel ao próprio trabalho. FFVII Remake é conduzido por um trio que também desempenhou papel-chave no game original: o diretor Tetsuya Nomura, o produtor Yoshinori Kitase e o roteirista Kazushige Nojima foram os responsáveis por desenvolver a história geral pensada pelo pai da franquia, Hironobu Sakaguchi, e, vinte anos depois, retornam para garantir uma nova visão alinhada com a obra-base.

Final Fantasy VII é essencialmente um jogo sobre vida, unindo espiritualidade à natureza e retratando esse conceito no destino do próprio planeta, cuja energia vital é sugada pela tecnologia da maléfica corporação Shinra, quanto no destino de seus protagonistas. Cloud, ex-soldado de elite da empresa e agora um mercenário contratado pelo grupo ecoterrorista AVALANCHE, é recrutado para explodir um dos reatores responsáveis por transformar esta energia - batizada de mako - na força motriz deste mundo.

Respeitando de forma quase religiosa os grandes acontecimentos do jogo original, Final Fantasy VII Remake se dedica a colocar em movimento o conflito destes atores e decidir o que está em jogo de forma grandiloquente o tempo todo. É aqui que as decisões criativas começam a separar a releitura da obra original.

Abra seu coração

Em uma época de remakes badalados (e outros nem tanto), a palavra “reimaginação” virou figura carimbada no vocabulário das produtoras. É um termo confortável para explicar decisões criativas que mudam coisas da versão antiga sem atrair a ira de fãs sedentos por uma recriação 100% fiel. Em Final Fantasy VII Remake, essa palavra deve servir de escudo para decisões criativas que, apesar de fazerem sentido a todo momento, tem alguns pontos questionáveis.

Embora o enredo principal de FFVII seja sagrado no remake, ele nem sempre é seguido à risca. Se você conhece a história, saberá o que vai acontecer de forma até previsível. Muda, no entanto, o que ocorre entre esses episódios, com algumas novidades que, às vezes vem para o bem, mas também prejudicam alguns pontos da história.

Começo com um exemplo positivo: logo após a sequência inicial do jogo (explorada inclusive na demonstração gratuita disponível na PlayStation Network), o grupo passa a ver na pele as consequências da explosão do Reator Nº 1, tanto na parte superior da cidade, onde vivem os mais abastados, quanto na vida dos que, assim como Cloud, Barret e os demais membros da AVALANCHE, moram nas comunidades abaixo das placas suspensas de Midgar.

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Falando na gigantesca cidade, é fácil entender por que ela foi escolhida para ser o único palco do primeiro jogo do remake. Midgar é um marco para Final Fantasy e para todos os RPGs japoneses. Em um gênero acostumado a apresentar logo um mundo inteiro para o jogador explorar nos primeiros minutos, confinar toda a ação em um único local enorme foi uma ótima maneira, lá em 1997, de constatar uma sensação de grandeza anunciada pelos gráficos em 3D e o enorme salto de memória proporcionado pela geração do PS1.

A sensação de grandeza, visivelmente percebida nos gráficos e na construção de cenários, é a mais óbvia maneira de perceber a evolução de um jogo para outro, mas o salto de 23 anos na tecnologia dos videogames também abre espaços para que o triunvirato Nomura-Kitase-Nojima amplifique este mundo, criando contextos que enriquecem o mundo, mas nem sempre agregam de forma positiva aos eventos já conhecidos de Final Fantasy VII.

Como você leu no começo do texto, Final Fantasy VII Remake pega os 10% iniciais da obra original e o adapta para um jogo completo, do tamanho de tantos outros contemporâneos de gênero.

Por essa combinação complexa de pequenas sequências inéditas e engrandecimento de eventos icônicos o remake alonga os eventos do original o máximo possível, quase como uma maneira de cumprir uma cota de horas de gameplay que justifiquem o investimento no game.

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Cenários que serviam de transição entre pontos A e B se transformam em calabouços inteiros, com direito a inúmeras cenas de corte. Inimigos que eram banais se transformam em batalhas de chefe complexas e cheias de etapas, até mesmo quando não era necessário - aliás, FFVII Remake tem o péssimo hábito de fazer de chefe qualquer monstro um pouco fora do padrão, como a casa maluca do Setor 6 ou o ceifador Eligor. Numa comparação grosseira, é como se a Square Enix tivesse optado pelo mesmo caminho que O Hobbit trilhou em sua adaptação aos cinemas, ao fazer de um único livro de 310 páginas uma trilogia de filmes.

Na maior parte dos momentos do remake, a tática funciona, como nos contextos e nuances de momentos de calmaria. Mas, quando o roteiro pede mais urgência e ação por parte dos protagonistas, essa mania de engrandecer tudo coloca a perder o ritmo que fazia este primeiro ato tão icônico no original.

A crise do planeta

Neste primeiro ato anabolizado, tão dedicado em construir um mundo e seus conflitos, Final Fantasy VII Remake tenta buscar, sem muito sucesso, um espaço para acomodar o desenvolvimento de seus personagens, que, no jogo original, começa a acontecer justamente quando o grupo deixa Midgar para trás.

Na maior parte do tempo, o remake tenta jogar esse desenvolvimento para a torcida, por meio de lampejos de flashback ou em meias palavras de algumas linhas de diálogo - este último é especialmente válido para o protagonista Cloud, cuja longa jornada de desenvolvimento passa por uma desconstrução que só acontece em momentos mais avançados do original e, no remake, passa a ser sugerida logo de cara.

A crise do planeta / Reprodução

Nessa atualização, ganham espaço os demais membros do elenco, que normalmente só veem seu tempo de brilhar depois de Midgar e, aqui, ganham mais espaço. Na falta da equipe completa - dos nove personagens principais de FF7, só cinco aparecem no primeiro jogo, e apenas quatro são jogáveis -, coadjuvantes como Jessie, Biggs e Wedge, acabam sendo promovidos a um conveniente papel de maior destaque.

Com exceção de Aerith, cujo local de destaque na trama é bem delineado desde o começo, os demais personagens veem seu tempo em tela aumentar significativamente em decorrência dessa expansão. Essa esticada é especialmente benéfica para Tifa, a amiga de infância de Cloud, que vê sua importância para os demais personagens ser explicada com mais clareza logo nos primeiros momentos.

Ainda assim, para os marinheiros de primeira viagem, a impressão que fica é a de que o mundo de FFVII é maior que seus personagens. Embora todos eles transbordem estilo e carisma - duas características intrínsecas ao trabalho de criação de Tetsuya Nomura -, pode faltar um pouco mais de substância.

Essa dualidade também é percebida em outro aspecto fundamental de Final Fantasy VII Remake: a construção de seus cenários. Curiosamente, este é o único aspecto do jogo que não se beneficiou deste salto de grandeza promovido pela equipe de desenvolvimento.

Cenários / Reprodução

Visualmente, o jogo é a cara de 2020, com gráficos que denotam um mundo rico e gigantesco. Na prática, é como se FFVII não tivesse evoluído nada em relação a 1997. Em vez de expandir a cidade com áreas totalmente inéditas, o jogo “bombou” os cenários já conhecidos, mas fez deles corredores sem muita margem para exploração. Pelo menos, Nomura e cia. parecem ter aprendido com os erros de Final Fantasy XIII, ao manter a agência do jogador como elemento fundamental para a progressão da história.

O design de níveis, extremamente rígido, ajuda a fazer com que alguns dos momentos desnecessariamente “esticados” da trama fiquem um tanto maçantes, especialmente nas sequências de maior urgência do roteiro, como o ataque ao pilar do Setor 7 ou a icônica invasão ao prédio da Shinra.

Combates

Enquanto a história e a progressão pelos cenários trazem decisões criativas questionáveis entre seus sentimentos nostálgicos, um aspecto de Final Fantasy VII Remake é impecável: o sistema de combate e a progressão dos heróis enquanto RPG.

Poucas coisas mudaram tanto nos RPGs japoneses como a maneira de enfrentar inimigos entre 1997 e 2020, e a franquia Final Fantasy foi protagonista em muitas destas evoluções, seja na implementação de sistemas revolucionários como as Materias do FFVII original, como um foco cada vez maior na ação proporcionado por entradas mais recentes da série (e também por Kingdom Hearts, outro título de peso capitaneado por Nomura).

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A ação, tão bem representada em Final Fantasy VII pelo longa Advent Children agora finalmente ganha formato interativo por meio de um sistema que permite se movimentar, atacar, se esquivar e defender livremente. A barra Active Time Battle (ATB), oriunda do original, dita as regras para fazer todo o resto: soltar magias, golpes especiais e utilizar itens.

A ATB dá um componente tático a FFVII Remake, no qual é preciso encontrar as melhores formas de derrotar seu inimigo, seja pela maneira de agir, seja pela combinação de Materias, que continuam desempenhando o mesmo papel da versão original: são orbes equipáveis responsáveis por conferir aos heróis poderes mágicos, aumentos de atributos e comandos especiais, entre outras habilidades.

Combates / Reprodução

Embora a base venha do FFVII original, é impressionante como o remake não se destaca pelo aspecto vanguardista, tão caro a Final Fantasy, mas por consolidar conceitos que deram certo nos últimos anos. A ação vem de Advent Children e de títulos influenciados diretamente pelo longa, como Final Fantasy XV e Final Fantasy XIII. Deste último, vem a ideia de atordoar o inimigo antes de causar dano significativo. Até mesmo a inteligência artificial dos aliados pode ser controlada por meio das Materias, simulando de forma básica o conceito dos gambits de Final Fantasy XII.

Tudo isso faz do sistema de combate de Final Fantasy VII Remake alcançar o tão sonhado conceito pensado para a franquia há mais de dez anos, e que rendeu inúmeras tentativas fracassadas: um RPG em que as lutas são visualmente deslumbrantes, e ao mesmo tempo 100% controladas pelo jogador, com uma cadência que exige estratégia e preparação por parte de quem joga.

Cerimônia de boas-vindas

Seja nos combates, seja na exploração do mundo ou nas cutscenes, é preciso dar destaque também para a música, outra característica tão marcante de Final Fantasy e, especialmente, do FFVII de 1997. Como era de se esperar, o remake usa e abusa da trilha composta por Nobuo Uematsu, com melodias icônicas como Opening - Bombing Mission e os temas de batalha e de chefe.

No remake, o destaque fica por conta da versatilidade das releituras destas melodias. Aproveitando-se da excelente tecnologia de transição de música implementada inicialmente em Final Fantasy XV, o game intensifica a trilha quando o momento pede: a mesma música que toca em um calabouço ganha uma batida mais acelerada e arranjo urgente ao você entrar numa batalha, por exemplo.

Mas o jogo vai além, encarando as trilhas clássicas como hinos, e utilizando-as para ilustrar momentos para quais não eram pensadas no momento original. O que há de inédito também se molda bem às músicas clássicas, como a música-tema "Hollow" - criada pelo próprio Uematsu - ou as trilhas do Wall Market e da AVALANCHE, onde se percebe o estilo enérgico de Masashi Hamauzu e Misuto Suzuki, mais conhecidos pela trilha da trilogia de Final Fantasy XIII.

Cerimônia de boas-vindas / Reprodução

Refazer um jogo do porte e da importância de Final Fantasy VII jamais seria fácil. Os próprios desenvolvedores da Square Enix têm ciência disso - e, talvez, até tenha sido um dos fatores que fez este projeto demorar tanto ganhar vida, mesmo após anos e anos de insistentes pedidos de uma comunidade ardorosa.

Para quem é fã, ver este jogo se tornar realidade já algo que parecia quase impossível, mas é interessante notar Final Fantasy VII Remake como um produto finalizado que transita entre um incessante culto sua obra original e a vontade de inovar, criando um equilíbrio frágil de apego e desprezo que sempre marcou as três décadas de história da franquia.

Parte jogo completo, parte pontapé inicial de uma saga de desenvolvimento muito maior (e, ao menos no momento de publicação deste texto, sem a menor previsão de desfecho), Final Fantasy VII Remake não é sempre o jogo que os fãs pediram, mas é 100% o jogo que os fãs sonharam.

Fonte: theenemy

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